Contratos abusivos e direito do consumidor: o que vocĂȘ precisa saber
- RMadv
- 9 de nov. de 2023
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Atualizado: 22 de jul.

Muitas vezes, quando nos deparamos com um contrato para adquirir determinado serviço ou produto de uma empresa, nĂŁo nos atentamos devidamente ao conteĂșdo previsto neste contrato nem os possĂveis riscos que ele pode trazer aos nossos direitos enquanto consumidores.
Uma notĂcia recente, que estĂĄ relacionada a esta problemĂĄtica e deixou diversos consumidores insatisfeitos, veio da alteração no contrato de serviços da plataforma Netflix, a qual, sem nenhum aviso prĂ©vio, adicionou uma cobrança extra por compartilhamento de senhas, o que levou a empresa a ser notificada pela Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) de sete estados brasileiros.
Dessa forma, surge o questionamento: como identificar um contrato abusivo e quais direitos do consumidor podem ser evocados para tornĂĄ-lo nulo?
O primeiro ponto a se entender sobre essa questĂŁo estĂĄ na forma de identificar um contrato com clĂĄusulas abusivas.
Logo, Ă© de grande importĂąncia que busquemos saber as clĂĄusulas primordiais do contrato e a maneira correta que estas devem estar previstas, de modo que nĂŁo infrinjam os direitos do consumidor.
A primeira clĂĄusula que podemos citar refere-se ao tipo de serviço ou produto oferecido, os quais devem ser lĂcitos, possĂveis, determinados ou determinĂĄveis, com o objetivo do consumidor ter a total ciĂȘncia do que estĂĄ adquirido, pois conforme o CĂłdigo Civil:
âArt. 601. NĂŁo sendo o prestador de serviço contratado para certo e determinado trabalho, entender-se-ĂĄ que se obrigou a todo e qualquer serviço compatĂvel com as suas forças e condiçÔes.â
Em seguida, a clĂĄusula da vigĂȘncia do contrato tambĂ©m deve ser analisada com cuidado, uma vez que ela definirĂĄ por quanto tempo o consumidor e a empresa estarĂŁo exercendo a relação jurĂdica e quando ela poderĂĄ ser renovada ou extinta. No caso de um contrato de prestação de serviços, o prazo mĂĄximo de vigĂȘncia Ă© de quatro anos, de acordo com o artigo 598 do CĂłdigo Civil Brasileiro.
Outra clĂĄusula de grande importĂąncia, apĂłs a vigĂȘncia, Ă© a remuneração pelo produto ou serviço adquirido. O consumidor deve estar atento, para que esteja de forma clara no contrato o valor total que ele irĂĄ pagar, se serĂĄ a vista ou parcelado, qual o meio de pagamento (dinheiro em espĂ©cie, boleto, transferĂȘncia bancĂĄria, cartĂŁo de dĂ©bito ou crĂ©ditoâŠ), as datas de vencimento do pagamento e quais multas ou juros estĂŁo previstos no caso de atraso ou de nĂŁo pagamento, como informa o prĂłprio CĂłdigo de Defesa do Consumidor:
âArt. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crĂ©dito ou concessĂŁo de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverĂĄ, entre outros requisitos, informĂĄ-lo prĂ©via e adequadamente sobre:
I - preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional;
II - montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;
III - acréscimos legalmente previstos;
IV - nĂșmero e periodicidade das prestaçÔes;
V - soma total a pagar, com e sem financiamento.
§ 1° As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigaçÔes no seu termo não poderão ser superiores a dois por cento do valor da prestação.
§ 2Âș Ă assegurado ao consumidor a liquidação antecipada do dĂ©bito, total ou parcialmente, mediante redução proporcional dos juros e demais acrĂ©scimos.â
Por fim, a quarta clĂĄusula que se deve prestar atenção Ă© a da obrigação! No contrato, ela deve estar prevista tanto para o consumidor quanto para aquele(a) que fornece o produto ou o serviço, de modo a trazer harmonia e equilĂbrio durante a sua execução. Um contrato com obrigaçÔes para apenas uma parte e que estejam em desacordo com o CĂłdigo Civil, Ă© considerado abusivo e nĂŁo pode ser validado.
ApĂłs compreender as clĂĄusulas mais importantes de um contrato e a forma que elas devem estar escritas para que nĂŁo o tornem abusivo, o segundo ponto a se entender sĂŁo os direitos que protegem os consumidores de prĂĄticas contratuais abusivas!
O CĂłdigo de Defesa do Consumidor (CDC) dedica um capĂtulo de seu texto para a proteção contratual, e nos artigos iniciais jĂĄ estabelece que um contrato escrito de forma que o consumidor nĂŁo o compreenda totalmente nĂŁo poderĂĄ obrigar este consumidor a cumpri-lo, alĂ©m de determinar a interpretação deste contrato da maneira mais favorĂĄvel ao consumidor:
âArt. 46. Os contratos que regulam as relaçÔes de consumo nĂŁo obrigarĂŁo os consumidores, se nĂŁo lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prĂ©vio de seu conteĂșdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensĂŁo de seu sentido e alcance.
Art. 47. As clĂĄusulas contratuais serĂŁo interpretadas de maneira mais favorĂĄvel ao consumidor.â
Dessa forma, caso as clĂĄusulas contratuais nĂŁo estejam escritas de forma compreensĂvel, como, por exemplo, nĂŁo delimitam o serviço ou o produto adquirido, nĂŁo informem com detalhes o pagamento ou tragam obrigaçÔes desequilibradas, deixam explĂcito que este contrato nĂŁo Ă© vĂĄlido e o consumidor poderĂĄ invocar seu direito de nĂŁo cumprir tais clĂĄusulas, diante das autoridades competentes, e terĂĄ como garantia que a interpretação do contrato seja a mais favorĂĄvel para a sua situação.
Ademais, o CDC tambĂ©m prevĂȘ os tipos de clĂĄusulas que jĂĄ sĂŁo nulas e nĂŁo podem estar presentes nos contratos, servindo de alerta para todos os consumidores, conforme dito no incisos do artigo 51:
âArt. 51. SĂŁo nulas de pleno direito, entre outras, as clĂĄusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
[...]
IV - estabeleçam obrigaçÔes consideradas inĂquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatĂveis com a boa-fĂ© ou a eqĂŒidade;
[...]
XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteĂșdo ou a qualidade do contrato, apĂłs sua celebração;â
Assim, ao perceber que o contrato dispÔe de clåusulas que se encaixem nesses tipos, o consumidor poderå questionå-las e decidir por não assinar o contrato até que estejam escritas de acordo com o Código de Defesa do Consumidor.
Por fim, Ă© possĂvel concluir que a legislação brasileira estĂĄ alinhada com a proteção dos direitos do consumidor em relação a contratos abusivos. Para tanto, no parĂĄgrafo quarto do mesmo artigo 51, o cĂłdigo estabelece que, nos casos de violação dos seus direitos diante de um contrato abusivo, os consumidores podem recorrer ao MinistĂ©rio PĂșblico, com o objetivo de anular o documento contratual e reivindicar seus direitos:
âArtigo 51. [...]
§ 4° Ă facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao MinistĂ©rio PĂșblico que ajuĂze a competente ação para ser declarada a nulidade de clĂĄusula contratual que contrarie o disposto neste cĂłdigo ou de qualquer forma nĂŁo assegure o justo equilĂbrio entre direitos e obrigaçÔes das partes.â
Diante da complexidade dos contratos e da importĂąncia de proteger os direitos do consumidor, Ă© crucial atentar para clĂĄusulas abusivas. Identificar elementos essenciais, como o objeto do contrato, vigĂȘncia, remuneração e obrigaçÔes, Ă© o primeiro passo. O respaldo legal do CĂłdigo de Defesa do Consumidor oferece aos consumidores a possibilidade de questionar contratos injustos, garantindo interpretação favorĂĄvel e anulação de clĂĄusulas prejudiciais. A legislação brasileira, alinhada com a defesa do consumidor, permite que, em casos de violação, se recorra ao MinistĂ©rio PĂșblico para buscar a anulação e a restauração dos direitos.